Por volta de 2002 eu
estava trabalhando em Floresta, interior de Pernmbuco. A cidade,
situa-se no encontro do rio Pajeú com o Riacho do Navio em uma
região conhecida por cultivar canabis sativa; erva
psicoativa ilícita.
Floresta
era conhecida por relatos de violência entre seus habitantes. Duas
famílias eram mencionadas como inimigas mortais, os Novaes e os
Ferraz. Quando fui designado em 1999 para trabalhar na cidade como
Agente de Desenvolvimento do Banco do Nordeste, confesso que senti
medo; uma sensação de enorme insegurança visitou meu coração.
Poucos meses antes de eu assumir o novo posto de trabalho, haviam
tirado a vida do prefeito de Floresta sem justificativa.
Contava-se
que se, por alguma razão, houvesse uma ofensa considerada grave, a
questão era resolvida à bala. Os assassinos, para escaparem da
justiça, utilizavam motocicletas e aproveitavam a obrigatoriedade do
uso de capacetes para anomimamente tirarem a vida de seus desafetos.
Eram
muito frequentes os crimes. Nessa situação, o juiz local teria
proibido o uso de capacetes para motociclistas (inversamente ao que
prescreviam normas federais) para coibir os crimes. Uma situação de
tensão ocorria quando algum motociclista trafegava com capacete –
isso era interpretado como insubordinação ao juiz e presságio de
atentados possivelmente mortais.
Estava
presente em muitas mentalidades que a violência seria o caminho
indicado para resolução de querelas fortes. Alguns até seriam
capazes de matar por simples contrariedade.
Além
disso, as famílias das vítimas tomavam a iniciativa de “fazer
justiça” com as próprias mãos. Tomavam vingança e esta recaía
sobre qualquer membro da família inimiga. Em épocas de assassínios,
que, por força do costume de vindita, tornavam-se assassínios em
série, o clima reinante era de terror.
Um belo dia enquanto
caminhava pela praça principal de Floresta, uma diretora do
Instituto Espírita Caetano Coimbra, que funcionava na cidade,
convidou-me a conhecer “Tia Zabelinha”. Dona Isabel era uma
senhora de estatura média, que aparentava pouco mais de 60 anos.
A senhora, ao
apertar-me a mão perguntou: “Você é o rapaz espírita?”.
Respondi afirmativamente. Em cidades de pequeno porte em que não
havia grupos espíritas até ao final dos anos 1990, as pessoas sabem
bastante sobre os forasteiros. Principalmente sobre costumes e
crenças diferentes das adotadas no local.
Afirmou a recém
apresentada que confiava na continuidade da vida e no reencontro com
os entres queridos. Mencionou que perdera dois filhos vítimas de um
atentado violento, resultante de intenção de desforra. O relato da
morte dos filhos estava associada a uma fé na vida porvindoura. Fé
de tal forma viva que beirava à felicidade. Os breves relatos e a
expressão de esperança nesse reencontro acompanhado de expressões
de felicidade (na verdade um prelibar de felicidade devido à certeza
do fruir do amor maternal engrandecido e purificado).
As expressões eram
totalmente isentas de rancor, ressentimento ou tristeza. Não sei o
que pensei. Fiquei admirado, pasmo mesmo. Os sentimentos daquela
mulher eram muito superiores à minha compreensão imadiata. Não
sabia o que pensar, não estava entendendo.
Posteriormente, alguns
conhecidos esclareceram.
Na
praça principal, funcionava uma loja de eletrodomésticos de
propriedade de Isabel Ferraz. Certa feita, seus filhos Aroldo e
Romero encontravam-se trabalhando no estabelecimento. Um cidadão
passava nas proximidades da loja, quando foi morto por um tiro. Não
se sabia de onde havia partido o disparo. Alguns supunham que teria
se originado da loja e que o autor seria um dos filhos de Dona
Isabel.
Algum
tempo depois, um grupo de homens encapuzados equipados com escopetas
calibre 12 adentraram à loja e dispararam contra Aroldo e Romero. O
resultado foi mortes imediatas e desfiguração dos rostos de ambos
devido a abundância dos disparos.
Neste
dia, a mãe das vítimas encontrava-se em Recife, quando recebeu a
trágica notícia. Sua alma recebeu, obviamente, terríveis, penosos
e inimagináveis abalos. Sua dor foi superlativa. Para nossa
perplexidade, apesar de nascida e criada em um ambiente de violência
e cuja mentalidade de justiça restringia-se à vingança desapiedada
e inflexível, Dona Isabel tomou de um lápis, um papel, permaneceru
de pé, e grafou, imediatamente:
“Deus
mais uma vez me tomou em suas mãos fazendo-me passar pelo fogo do
sofrimento! Mas, não me queixo!... Só ELE, o grande Pai, sabe por
que está me submetendo a este tratamento tão doloroso! Só ELE sabe
do que preciso para meu crescimento espiritual! Eu confio no PAI! Eu
me entrego totalmente ao tratamento que for necessário à minha
alma, pois o nosso espírito tem que ser fortalecido e como nas
doenças do corpo se torna muitas vezes necessário um tratamento
rigoroso, assim também nossa parte espiritual se engrandece e se
torna mais forte quando submetida a dores que nos parecem
insuportáveis!
Maior,
porém, do que esta dor, é a FÉ inabalável que tenho de que
suportando-a com paz, sem revolta, sem abrigar no meu peito o mínimo
desejo de vingança contra aqueles que cruelmente os roubaram o
direito de viver é a certeza que tenho que Deus e Nossa Senhora os
tomarão em suas mãos e perdoando suas faltas lhes dará o carinho,
o amor, que transbordam do meu coração! Que vocês tenham almas
gererosas que os ajudem a se desligar das coisas terrenas e enfim
desfrutar da paz dos justos. Esta paz, que embora difícil, já
podemos começar a sentir mesmo aqui na terra, quando aprendemos a
perdoar aqueles que nos ofendem! Considero isto o principal requisito
para começarmos a sentir um pouco de paz celestial, esta paz que eu
desejo, vocês possam, num período breve, chegar a sentir.
Sua maezinha aqui estará atenta a tudo, não deixando passar as
oportunidades que surgirem para oferecer pela paz dos seus espíritos.
…..” Este texto foi publicado no DIÁRIO DE PERNAMBUCO em
31-agosto-1993.
Ao chegar à Floresta, D, Isabel reuniu a família e com uma
grande autoridade moral proibiu vingança. Todos
aquiesceram; todos seguiram o caminho do perdão.
Algum
tempo depois, após a polícia já ter encerrado as buscas pelo
assassino da primeira vítima (aquela vítima cujo assassinato
levantou suspeitas contra Aroldo e Romero). Quando já tudo estava
esquecido, um homem apresentou-se à polícia, certamente tomado de
remossos profundos, e confessou que não foram Aroldo e Romero que
tinham assassinado o transeunte e sim ele próprio . Tinha se
acomodado em uma casa próxima, em um primeiro andar; a partir dessa
posição, próxima à loja alvejara o homem.
D. Zabelinha como a chamavam os familiares tinha sentido a dor pela
perda de dois filhos inocentes. A mesma dor que Maria de Nazaré
sentiu ao contemplar as violências inauditas que cometeram contra o
meigo Jesus.
Mesmo
tendo experimentado o coração estraçalhado pela perda dos entes
amados, nunca deixou de cumprimentar com um sorriso os suspeitos de
haverem decretado a morte dos filhos.
Desejei
retornar à Floresta para revê-la. Estive lá por duas vezes mas não
avistei D. Izabel, a grande alma.
Soube
hoje, que no final do ano de 2013, D Zabelinha voltou para a pátria
espiritual. Com certeza um retorno triunfal ao mundo das causas. Foi
premiada pelo reencontro com seus rebentos queridos.
Resta a nós legionários do quilo homenagea-la, seguindo seus
exemplos de grandeza realizando a campanha na região onde morou e
onde deixou muitos entres queridos.
Honra à Dona. Zabelinha.
Excelente exemplo, vivas a D. Isabelinha.
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