segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O QUE A CAMPANHA DO QUILO TEM A VER COM A IRMÃ DULCE.


Março de 1981, visitei a antiga capital federal, Salvador. Desejava ver a irmã Dulce, conhecida por seu imenso amor pelos necessitados, ativa trabalhadora da caridade, que, ao longo de sua vida, amparara milhares de pobres e sofredores.
Ouvira falar dela repetidas vezes. Conhecia um cidadão que, órfão de pai e mãe, havia sido criado pela caridosa freira. O cidadão a que me referia, relatava a forma bondosa e cortês com que Dulce tratava a todos, inclusive aos funcionários. Ouvíramos dizer dela: “Quando algum dos empregados realizava uma tarefa mal feita, a irmã corrigia-o com carinho e com infinita paciência” e acrescentavam: “Se eu estivesse no lugar dela não repetiria tantas vezes o mesmo conselho em tom de bondade e calma, já teria ralhado com o relapso”.
Na Escola do Quilo de Pernambuco onde eu exercia, à época, a presidência comentava-se que, quando, em 1938, no Rio de Janeiro, Elias Sobreira fundara a campanha, havia se inspirado no trabalho de “uma freira baiana”. Dizia-se que a irmã Dulce já àquela época, saía de porta em porta pedindo ajuda para suas obras sociais, fato confirmado pelo meu conhecido, órfão, a que me referi acima.
Uma vez em Salvador, dirigi-me ao Hospital Santo Antônio situado no bairro de Roma. Construção simples, destacavam-se as cores azul e branco. Adentrei o edifício e sem demora observei logo à entrada, a figura franzina da freira. De baixa estatura, estava rodeada de senhoras notoriamente pobres. Distribuía algo com as circunstantes. Quando percebeu a presença de estranhos interrompeu a distribuição.
Apresentei-me. Recebeu-me com cordialidade, diria até com humildade. Pedi para conhecer as instalações da obra de amparo fraternal. Ela imediatamente convocou uma auxiliar que me conduziu a alguns pavilhões do edifício. Tudo apresentava-se bem cuidado, higiênico. Havia necessitados de todos os tipos, velhinhos, homens, mulheres e crianças doentes. Chamou-me a atenção um menino que requeria grandes cuidados, portador de hidrocefalia.
Um dos internos afirmou que a irmã, diariamente, saía de leito em leito cumprimentando a todos.
Voltei a ver a irmã Dulce, disse a ela que realizava a campanha do quilo em favor de orfanatos e lares de velhinhos em Recife. A irmã disse que já ouvira falar do nosso trabalho. Referi-me à possibilidade de a campanha ter sido inspirada na atividade dela e perguntei-lhe se antes de 1938 ela já realizava peditório de porta em porta. Sem muita ênfase, afirmou que fazia esta atividade desde 1935.
Perguntei-lhe quantos internos havia no hospital, ela me disse um número que não me lembro bem: 400 ou 600. Assomou-se à lembrança as dificuldades relatadas pelos diretores de orfanatos em Recife para mantê-los. Fui tomado de um sentimento de admiração e surpresa. Sob o efeito de perplexidade interroguei “como a senhora consegue manter essa instituição...” Ao que ela sem titubear, com expressão segura, baixou a cabeça em sinal de respeito e redarguiu: “Eu não... DEUS”.
Senti a sinceridade da referência; de sua atitude emanava respeito, submissão, humildade.
Foi uma inesquecível lição.
Emociono-me ao recordar aquela visita, às vezes os olhos ficam úmidos, e nesse momento ouço o canto dos passarinhos à janela. A lembrança da irmã Dulce está sempre presente em minha alma.



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